Tecida à custa de sexo, mentiras e subjugação, uma teia enreda, prende e escraviza garotas de programa em um esquema internacional de tráfico humano. Com a promessa de faturar milhares de euros mensalmente, modelos e influenciadoras são aliciadas e enviadas do Brasil para a Europa em uma conexão que parte do Distrito Federal e desembarca em Namur, uma pequena cidade no interior da Bélgica.
A rede criminosa é alimentada por agências brasileiras que captam garotas, entre 18 e 25 anos, dispostas a vender o corpo em troca de polpudos cachês. Os aliciadores “garimpam” modelos ao redor do país publicando anúncios em grupos restritos de WhatsApp. Uma das estratégias é explicar e apagar as mensagens instantes depois, justamente para deixar o mínimo de rastro possível do esquema. Veja abaixo:
Sob o véu de um suposto profissionalismo, cafetões prometem estrutura e logística para manter as candidatas em belos apartamentos, sempre atendendo a uma clientela seleta, formada por executivos europeus. O “faturamento” mensal seria de 14 mil euros, cerca de R$ 84 mil, valores quase impossíveis de serem alcançados no Brasil. Mas tudo não passa de uma grande farsa.
A líder de um dos tentáculos da exploração sexual transnacional é uma ex-garota de programa nascida e criada em Planaltina, região administrativa do DF. A cafetina é radicada na Bélgica há pelo menos três anos e leva uma vida de luxo e ostentação viajando o mundo para os destinos mais paradisíacos do planeta. Em uma apuração exclusiva, a coluna levantou como funcionam as engrenagens que movimentam a rede de tráfico humano.
Vítima escravizada
Como não há investigação formal na polícia, as identidades dos principais envolvidos serão mantidos em sigilo, por enquanto. A coluna conversou com uma modelo que foi escravizada após topar viajar até a Bélgica para integrar o “casting” da cafetina brasileira. O que seria um job vantajoso — como as garotas de programa chamam os programas —, tornou-se um pesadelo.
A garota de programa custeou as próprias passagens e chegou até a província de Namur dia 4 de dezembro do ano passado. Imaginando faturar alto e atender clientes abastados, a brasileira foi jogada em um sobrado que funcionava como ponto de venda de drogas. “O quarto era sujo, sem segurança e com viciados e traficantes subindo e descendo as escadas durante toda a madrugada”, contou a mulher traficada.
Ela era obrigada a pagar 55o euros semanais pelo aluguel. A cafetina brasileira que comanda o esquema não fornecia comida, preservativos nem água. “Ela controlava anúncios em um site e fazia a negociação direta com os homens, que apareciam a todo instante. Não havia um controle para saber que tipo de pessoa entrava no apartamento. O risco de roubo e estupro era constante”, disse a vítima.
Sexo sem parar
A mulher traficada relatou ter chegado a fazer nove programas em um dia e precisava atender a todo tipo de homem, muitos drogados ou violentos. “Em uma das vezes, um albanês tentou me estrangular, após ele ejacular em três minutos de relação e ordenar que eu devolvesse o dinheiro que havia sido pago por uma hora de programa”, contou.
Em outra oportunidade, teve de atender um homem que havia consumido grande quantidade de cocaína. “Ele me deu um beijo e minha boca ficou dormente em razão da quantidade de pó que ele tinha cheirado”, disse. Outros clientes queriam obrigar a garota a não usar preservativo. “Atendi um que tentou tirar a camisinha cinco vezes durante a relação.”
A clientela estava longe de ser formada por executivos, e o risco de roubo e estupro era constante, segundo a prostituta. A cafetina brasileira que mantinha as garotas no prédio em que operava a boca de fumo também oferecia a possibilidade de casar as sessões de sexo com a venda de drogas. “Eu não aceitei e passei a sofrer mais”, revelou.
Tabela de preços
A cafetina marcava o maior número de programas possível, para que as escravizadas rendessem pelo menos mil euros por dia. De acordo com a tabela de preços dos programas firmados pelo grupo criminoso, cada prostituta deveria cobrar 100 euros por 30 minutos de sexo. Caso o cliente optasse por 45 minutos, o valor subiria para 120 euros. O atendimento de uma hora completa tinha o custo de 150 euros. Para uma noite inteira, o montante desembolsado seria de até mil euros.
No entanto, o valor total era retido pela cafetina, que repassava pequenas quantias para as garotas traficadas. “A gente faturava um pouco a mais com a ajuda da chamada caixinha, quando os clientes davam algumas gorjetas após o atendimento”, relata a vítima do esquema.
A mulher só conseguiu fugir do cativeiro 12 dias depois, quando correu pelas ruas de Namur em plena madrugada até chegar a uma estação de trem. Após saltar em Bruxelas, ela embarcou com destino a Roma, na Itália. De lá, conseguiu pousar no Brasil depois de quase 24 horas ininterruptas de fuga.
Agora, ela pretende levar o esquema ao conhecimento da Polícia Federal brasileira e também das autoridades belgas.
Leia nesta terça-feira (9/4)
Na segunda matéria da série Traficadas, a coluna Na Mira revelará, nesta terça-feira (9/4), detalhes sobre a base de operações da rede de tráfico de mulheres que opera no Distrito Federal com a ajuda de telefonistas ligadas à cafetina brasiliense radicada na Bélgica.