A mãe que ameaçou uma professora do Distrito Federal e a acusou de “doutrinar” a filha em sala de aula deu uma “carteirada política”: a mulher foi até a escola e disse que era “amiga” dos deputados Nikolas Ferreira (PL-MG) e Gustavo Gayer (PL-GO), e do senador Cleitinho Azevedo (Republicanos-MG). A revolta aconteceu após a professora corrigir a estudante, que escreveu em uma redação que o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes havia acabado com as leis no país.
A mãe da aluna disse que não aceitaria que a filha fosse doutrinada e que “esfregaria o celular na cara” da educadora para mostrar que a docente estava errada. O caso aconteceu na última quarta-feira (17/4), no Centro de Ensino Médio (CEM) 1 do Gama. A estudante, do 2º ano, escreveu a informação incorreta na atividade escolar, e a professora explicou, com base na Constituição Federal, que não cabe ao Poder Judiciário elaborar leis, que este é uma papel do Legislativo.
A aluna, então, ligou para a mãe e relatou o que a professora havia falado. Imediatamente, a responsável pela estudante enviou um áudio no WhatsApp para a supervisora da escola para condenar a conduta da professora, que classificou como “doutrinação”.
A mãe ainda disse, segundo o diretor do CEM 1, que era amiga dos deputados Nikolas Ferreira e Gustavo Gayer. Nikolas foi eleito, em março, para a presidência da Comissão de Educação da Câmara dos Deputados. Ele foi indicado pela bancada de sua sigla, o Partido Liberal (PL), após acordo de lideranças que definiu a presidência das comissões com o presidente Arthur Lira (PP-AL).
A professora que sofreu os ataques e intimidações registrou um boletim de ocorrência e precisou ser afastada das atividades laborais por 30 dias, devido ao abalo psicológico sofrido. Segundo a Secretaria de Educação, a família da estudante fez um pedido de transferência de escola, o que foi atendido pela Coordenação de Ensino do Gama.
CLDF e SEEDF acompanham
A Comissão de Educação, Saúde e Cultura (CESC) da Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), presidida por Gabriel Magno (PT), emitiu nota de repúdio pela violência contra a professora e afirmou que houve um “ataque direto à liberdade de cátedra”.
“Expressamos nossa solidariedade e reafirmamos nosso compromisso com uma educação escolar que cumpra a função de ofertar a todos os estudantes o acesso ao conhecimento historicamente acumulado pela sociedade e validado por meio da ciência. Somente assim será possível construirmos uma sociedade igualitária, fraterna e livre de opressões e discriminações”, ressaltou o parlamentar, na nota.
Após o episódio, representantes do Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) foram à escola e se reuniram com o corpo docente do colégio. “Não há dúvidas de que isso é um claro ataque à liberdade de cátedra. Escola é lugar de conhecimento, de diálogo, de tolerância e de respeito à diversidade”, afirmou Raimundo Kamir, diretor da entidade.
Por meio de nota, a Secretaria de Educação do Distrito Federal (SEEDF) informou que “agiu prontamente” ao ser informada do “incidente” na escola e que entrou em contato com a Coordenação Regional de Ensino (CRE) do Gama para comunicar sobre a situação.
“Tanto a Coordenação de Ensino do Gama quanto a diretoria da escola relataram que, após o incidente, a professora registrou um boletim de ocorrência, e a CRE prontamente atendeu ao pedido de transferência da aluna feito pela família [da estudante]”, detalhou a pasta.
A secretaria acrescentou que a situação permanece sob supervisão direta da CRE e que, se necessário, tomará outras medidas administrativas, de acordo com as normas legais vigentes.
“Reiteramos o compromisso da Secretaria de Educação com a segurança e o bem-estar de todos os envolvidos no ambiente escolar. A escola é um espaço de aprendizado e convivência pacífica, onde se promove a cultura da paz, e a pasta repudia veementemente qualquer forma de violência, seja ela de natureza moral ou física. Reafirmamos nosso empenho em manter um ambiente escolar seguro e acolhedor para todos os alunos, professores e funcionários”, concluiu o órgão.