O Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios (TJDFT) barrou a venda e a construção de empreendimentos privados em 85 lotes de Águas Claras, pois os terrenos eram originalmente destinados à instalação de equipamentos públicos – como escola, posto de saúde ou delegacia.
A decisão liminar congelou obras em andamento em 31 lotes. Além disso, vetou a emissão de alvará de construção ou Habite-se para os respectivos empreendimentos.
A Justiça proibiu, ainda, a venda, cessão, penhora, doação ou qualquer outro tipo de registro na matrícula referente a 54 terrenos, atualmente em áreas pertencentes à Agência de Desenvolvimento do Distrito Federal (Terracap).
Em dezembro último, a Associação dos Moradores e Amigos de Águas Claras (Amaac) entrou com ação civil pública no TJDFT para questionar a legalidade da requalificação e desafetação dos terrenos, conduzidas pela Terracap e pelo Governo do Distrito Federal (GDF).
Na última quarta-feira (17/1), o juiz da Vara do Meio Ambiente, Carlos Frederico Majora de Medeiros, decidiu interromper a comercialização e as obras nos lotes.
Danos morais e ambientais
O GDF e a Terracap receberam R$ 990.269.827 por meio da venda dos 31 lotes, segundo a Amaac. Os moradores da região administrativa pedem o ressarcimento de 40% do valor, a título de danos morais e ambientais.
A ação cobra que as construções dos empreendimentos particulares sejam retomadas só após o pagamento. No entanto, os 54 remanescentes deverão ser destinados para serviços públicos.
Além disso, a associação quer que os R$ 396.107.930,80 por danos morais e ambientais sejam revertidos para construção dos equipamentos em falta na região.
Para o presidente da Amaac, Román Cuattrin, a liminar – uma decisão provisória – representa uma vitória para a população de Águas Claras. A Pesquisa Distrital por Amostra de Domicílio (Pdad) de 2021 constatou que aproximadamente 20 mil moradores não têm plano de saúde na região e 7 mil estudam na rede pública.
Contudo, a cidade não conta com unidade de saúde nem escola públicas. “O próprio GDF é ciente da necessidade dos equipamentos públicos, mas fecha os olhos e acaba vendendo lotes onde, depois, teríamos a chance de contar com o serviço”, criticou Román. “A cada mês, mais um lote vai para licitação e é perdido.”
“Paliteiro de espigões”
Na decisão, o juiz Carlos Frederico Maroja mencionou os prejuízos decorrentes do crescimento desordenado e da especulação imobiliária em Águas Claras.
“[Resulta em] uma situação que, obviamente, afeta negativamente a qualidade de vida dos moradores daquela região: um paliteiro de espigões com dezenas de pavimentos, em uma cidade inchada, com problemas graves de mobilidade (é comum a afirmação de que os engarrafamentos em Águas Claras começam desde as garagens dos edifícios) e com escassa oferta de serviços públicos de saúde, segurança e educação”, destacou o magistrado.
Para o juiz, “o enorme incremento da população de Águas Claras exigiria, como pondera corretamente a associação autora, não a redução, mas o aumento do número de equipamentos públicos comunitários”.
A disputa pelos terrenos é antiga. Em protesto realizado em junho de 2021, os moradores pintaram na parede de um dos terrenos a seguinte frase: “Aqui jaz uma escola“.
Anteriormente, a população entrou com ação para questionar a constitucionalidade da mudança de finalidade para uso dos lotes. As obras foram suspensas, mas a Justiça questionou a validade da ação; então, as obras e vendas continuaram. A Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF) informa que o Distrito Federal ainda não foi intimado da decisão.
Posicionamentos
Sobre o tema, a Procuradoria-Geral do Distrito Federal (PGDF), que representa o GDF no processo, informou ainda não ter sido intimada da decisão.
Por meio de nota, a Terracap comunicou que o projeto urbanístico de Águas Claras foi aprovado e licenciado na década de 1990. “Como determina a legislação, foram criados lotes destinados a equipamentos públicos, imediatamente registrados em nome do Distrito Federal”, detalhou a empresa pública.
“Todos os demais imóveis destinados a uso comercial, residencial e institucional foram registrados em nome da Terracap e, ao longo dos anos, disponibilizados para venda por meio de editais de licitação. A presente ação judicial refere-se a tema já tratado no âmbito do TJDFT”, pontuou a Terracap.
Além disso, a agência informou que os lotes comercializados pela Terracap tem os usos definidos no projeto original e na legislação vigente à época de cada venda. “A empresa recorrerá da decisão proferida pela Vara de Meio Ambiente Desenvolvimento Urbano e Fundiário”, concluiu.