Uma vaga em um hospital público só surgiu 70 dias depois da internação do idoso que agora deve R$ 2,6 milhões ao Hospital São Camilo. Após 191 dias internado, sendo 100 intubado, ele recebeu alta na última segunda-feira (4) e agora a família tenta levantar a quantia para pagar a dívida.
Carlos Massatoshi Higa, de 72 anos, foi internado no dia 27 de março deste ano com Covid-19, no auge da pandemia. Na ocasião, os hospitais públicos da capital paulista estavam lotados por causa do aumento de casos da variante de Manaus, segundo Juliana Higa, filha de Carlos.
Em março e abril deste ano, centenas de pessoas morreram na fila à espera de vagas em UTIs em São Paulo. Em praticamente todos os casos, as prefeituras e os hospitais disseram que vagas de UTI haviam sido solicitadas por meio do sistema estadual de regulação de leitos, o Cross, mas os pedidos não foram atendidos por indisponibilidade de vagas ou impossibilidade de fazer a transferência de pacientes em estado grave.
De acordo com a Prefeitura, foi oferecida uma vaga do Sistema Único de Saúde (SUS) para Higa no Hospital Municipal da Brasilândia, na Zona Norte, no dia 12 de junho, 70 dias depois que ele tinha sido internado no São Camilo. De acordo com Juliana, a família rejeitou a oferta porque a vaga era para uma UTI Covid e, na ocasião, Higa já não tinha mais a doença, mas ainda precisava tratar complicações dela.
No dia 24 de junho, foi ofertada uma nova vaga para o paciente, desta vez no Hospital Estadual do Mandaqui, unidade mista que atende casos de Covid e não-Covid, de acordo com a Prefeitura. Novamente, a transferência não foi realizada pelo mesmo motivo, mas Juliana conta que chegou a levar o pai até lá.
“No dia 24 de junho contratei uma UTI Móvel, peguei meu pai e chegamos a sair do Hospital São Camilo e ir ao Hospital do Mandaqui, mas não chegamos a interná-lo porque era um leito de UTI Covid-19 novamente”, conta ela.
Juliana conta que não chegou a dar entrada no hospital público com o pai e voltou para o São Camilo.
“Achamos que era o mais prudente. Tínhamos medo de uma nova infecção. Até o hospital particular ficou consternado porque todos nós acreditávamos que não era uma vaga para paciente de Covid-19. Meu pai estava com um exame PCR negativo anexado, mesmo porque isso aconteceu mais de três meses depois que ele tinha dado entrada no hospital com Covid. A essa altura ele não tinha o vírus mais”, afirma.
Juliana disse que foi frustrante ir até o hospital público e não deixar o pai lá. Ela conta que inclusive a equipe do hospital desaconselhou a deixar o pai no local por causa do risco dele contrair Covid-19 novamente.
“Um paciente não vai ser transferido sem que o hospital tenha condições de recebê-lo. Por mais que ele tenha tido complicações, quando o Mandaqui aceitou meu pai, eles teriam condições de dar continuidade ao tratamento. Preciso deixar claro que não tem isso de a gente acreditar que o hospital não seria capaz de tratá-lo. Não é isso. Ele só não ficou lá porque tínhamos medo dele pegar Covid de novo dentro da UTI e ele já estava fragilizado.”
Juliana conta que a família tinha economias, mas não esperava que a internação do pai duraria tanto tempo no hospital particular. Seu Carlos tinha acabado de tomar a primeira dose da vacina CoronaVac quando foi diagnosticado com Covid. Mas o quadro dele foi se complicando, e a dívida, virando uma bola de neve.
“Meus pais juntaram dinheiro a vida inteira, deixaram de pagar o convênio médico, mas juntaram o dinheiro que pagariam por ele. O que a gente não achou é que fosse durar todo esse tempo a internação”, conta.
Em nota, o Hospital São Camilo disse que internações de longa permanência podem implicar em valores notoriamente altos, mas que a família era atualizada constantemente.
Higa ficou quatro meses na UTI e, quando voltou para o quarto, teve duas convulsões e um AVC e teve de voltar para a UTI. Saiu de novo dias depois, teve outra complicação e teve de voltar para mais uma semana na UTI, de acordo com Juliana.
Foram mais de 100 dias com ventilação mecânica e traqueostomia e Seu Carlos teve várias infecções hospitalares.
“Os médicos desenganaram várias vezes, falaram que o caso era complicado e que era para preparamos a família. Ele ainda teve de fazer hemodiálise constante com um equipamento chamado prisma, e o aluguel é caríssimo”, conta ela.
Apesar de ter tido alta, as sequelas de seu Carlos ainda inspiram cuidados – ele agora tem limitações na fala e nos movimentos.
Ele precisa, por exemplo, de fonoaudiologia para recuperar a fala, que ficou comprometida após tanto tempo com traqueostomia, procedimento cirúrgico realizado na região da traqueia, no pescoço, com o objetivo de facilitar a chegada de ar até os pulmões.
Além disso, ele precisa de fisioterapia para recuperar os movimentos das pernas, além de ter perdido a coordenação motora fina, o que o impede de realizar atividades como escrever. Para evitar aumentar ainda mais a dívida, a família tenta atendimento na rede pública.
Recursos
Para tentar arrecadar o dinheiro para pagar a dívida, Juliana organizou uma vaquinha que já arrecadou quase R$ 191 mil até a tarde desta quinta-feira (7).
“Estamos usando esse dinheiro para custear a última internação e para pagar vários custos de pós-internação. Não temos mais condições. Mas é uma vida e vida não tem preço”, afirma.
Além da vaquinha, Seu Carlos quer vender a banca na Vila Nova Cachoeirinha, Zona Norte da capital, onde trabalhou por 21 anos. Inclusive, ele passou mal quando estava no local . Querido pela comunidade, seu Carlos foi socorrido pelos vendedores ambulantes que trabalhavam por perto, segundo Juliana.
“Recebemos doações de pessoas que nem conheço, mas que me escreveram contando que o conheciam da banca”, afirma ela.
O que diz o Hospital São Camilo
Em nota, o Hospital São Camilo disse que internações de longa permanência podem implicar em valores notoriamente altos, mas que a família era atualizada constantemente:
“A Rede de Hospitais São Camilo de São Paulo oferta serviços particulares de forma transparente e com custos compatíveis com o mercado. O acometimento por Covid-19, no entanto, pode implicar em internações de longa permanência, com valores notoriamente altos. No caso em questão, as informações eram atualizadas constantemente à família. A instituição reforça sua missão de cuidar e valorizar a vida, priorizando a excelência dos serviços prestados, e segue à disposição para quaisquer esclarecimentos.”
Fonte: G1.