Home Brasília Brasília é 3ª capital com mais casos de autoextermínio; busque ajuda

Brasília é 3ª capital com mais casos de autoextermínio; busque ajuda

0

Apesar da seriedade da questão e de não ser um tema abertamente discutido, o suicídio continua sendo um problema global e que tem crescido a cada ano no Brasil. Só na capital da República, em 2023, foram 272 casos de autoextermínio registrados – 11,93% a mais que em 2022, segundo um levantamento do Ministério da Justiça. Conforme consta no estudo, a nível municipal, o DF ocupa a terceira colocação nacional com os maiores números de pessoas que tiraram a própria vida.

À reportagem João*, 27 anos, contou que após passar por situações difíceis na vida, acabou “perdendo a vontade de viver”. No entanto, conforme relatou, após receber ajuda, conseguiu enxergar que havia solução para a dor que sentia. Segundo o jovem, “falar sobre suicídio é muito importante para que pessoas que enfrentam a situação não continuem mais sofrendo em silêncio e saibam que, assim como elas, muitos outros já enfrentaram a mesma luta e conseguiram voltar a viver”.

“Cresci em um lar conturbado. Sofria violência dentro de casa e era lembrado constantemente de que fui um erro. Cresci com o pensamento de que eu não prestava para nada. Isso impactou diretamente em todas as minhas fases. A dor e a solidão me consumiam. Entrei em depressão profunda e, na minha cabeça, decidi colocar um fim àquele sofrimento. Tentei, mas como você pode ver, tive a sorte de não conseguir”, começou João.

“Digo sorte porque todo sofrimento que eu passei na vida me consumiu de uma maneira tão intensa que não me deixava ver que eu tinha um futuro. Todos temos. Pedi ajuda, lutei, me curei e passei a trabalhar como voluntário para ajudar outras pessoas que enfrentam situações como as que eu vivi. Deus, então, me deu uma segunda chance. Um dia após o outro, voltei a ser grato até pelo ar que respiro. Encontrei alguém que entendeu minhas cicatrizes e que me amou, apesar delas. Hoje estou muito bem e feliz. Se eu tivesse conseguido acabar com minha existência, teria perdido a chance de viver o extraordinário que me aguardava”, declarou o jovem.

De acordo com o psicólogo Felipe De Baere, não existe uma causa única que leva uma pessoa a cometer suicídio, mas sim um conjunto de fatores que somados a colocam em uma situação de vulnerabilidade. “Chamamos, no campo da suicidologia, dos dês: desesperança, desamparo, estado depressivo, desespero. É uma vivência interna da pessoa de não acreditar que a situação na qual ela se encontra pode ter uma resolução. Então, é uma pessoa que se encontra em um profundo sofrimento psíquico”, disse.

À reportagem o psicólogo Artur Mamede completou a fala do colega explicando que uma pessoa que enfrenta uma situação que a leve a pensar em suicídio é alguém que passa por crise psicológica. “É um momento em que a pessoa sente uma crise interna muito grande, que a faz pensar não conseguir responder a essa pressão. Existem eventos traumáticos que desencadeiam desorganização emocional e que faz a pessoa pensar não dar conta de resolver as questões dela senão pelo suicídio”, explicou.

“Se esse período de crise psicológica não for tratado, se esse sujeito não encontrar um espaço de escuta, de fala e organização de ideias, ele entrará em um estado de confusão, de depressão. Dessa forma, a pessoa vai pensar no suicídio como a única opção possível. É como se a dor psicológica que ela sente fosse tão grande que ela não consegue deslumbrar uma alternativa diferente para a resolução de suas questões, embora existam muitas possibilidades diferentes”, explicou o psicólogo.

“Por isso é importante que essa pessoa tenha acesso a um serviço de saúde mental para que ela possa falar sobre suas dores e possa avaliar outras possibilidades de resolução de suas questões de uma maneira menos afetada e com suporte profissional”, finalizou Mamede.


0

“Há solução, e você irá encontrá-la”

Maria*, 24 anos, contou que situações que enfrentou durante a vida já haviam provocado nela problemas psicológicos. Quando entrou na fase adulta, a jovem conheceu alguém, se apaixonou e disse que o cenário a fez acreditar que, finalmente, teria a família que tanto sonhou. Após ser traída pelo marido, contudo, Maria viu “o mundo desmoronar”.

“Lembro até do vento gelado daquele dia. Foi em uma quarta-feira de abril [a tentativa de suicídio]. Minha vida estava completamente virada de cabeça para baixo. Eu tinha acabado de descobrir uma traição, as contas estavam atrasadas, eu havia perdido 15kg e não estava mais conseguindo me alimentar. Com a decepção veio a depressão, que me jogou em um buraco escuro, onde permaneci por meses. Perdi a vontade de viver”, começou Maria.

Após enfrentar a dor da deslealdade do companheiro, a jovem também teve de lidar com uma demissão. “Eu estava sozinha. Sem família, sem dinheiro até para o aluguel. Gritava por socorro, mas ninguém me ouvia. Pensei: ‘Não quero mais estar aqui’. Mas lembro de pensar também que não queria morrer, só não queria mais sentir o que eu estava sentindo. Mas eu estava muito desnorteada, não via uma solução. Então, tentei por um fim a minha vida. Acordei no dia seguinte em um hospital”, narrou a moça.

Segundo Maria, a tentativa de suicídio causou sequelas graves ao corpo dela, e, por isso, ela ficou por muito tempo internada. “No hospital fui acolhida por alguém disposto a me ajudar a lutar pela minha vida. Essa pessoa sempre que me via cantava: ‘Alguém igual a você não vi jamais’. Sem ter noção, essa pessoa me salvou”, declarou.

“Iniciei um tratamento e descobri que apesar de ser doído, passar por uma situação aparentemente sem solução não é o fim. Não precisa ser. Busque ajuda. Não desista de viver. As vezes é muito difícil enxergar o seu propósito quando o mundo parece não ter chão. Mas, depois que você se cura, é possível ver que o problema, na verdade, pode ser solucionado. Não estamos sozinhos. Sempre tem alguém disposto a ouvir e a oferecer uma mão. Então, procure um profissional – eles também estão na rede pública, vá a uma igreja, a um grupo de apoio, mas não desista da sua vida. Há solução, e você irá encontrá-la”, finalizou Maria.

Pedido de socorro

Em 13 de março deste ano, o sargento da reserva remunerada Paulo Dias, que retornou à ativa através do programa de Prestação de Trabalho por Tempo Certo (PTTC), estava escalado para atender as chamadas do 190 quando recebeu a ligação de uma mulher que estava determinada a tirar a própria vida.

No desabafo, a jovem contou ter sido vítima de um relacionamento abusivo com um homem. Segundo o relato, ao descobrir que o namorado era casado, ela decidiu encerrar o vínculo entre os dois. Insatisfeito, o homem ameaçou divulgar imagens íntimas que havia gravado com a mulher.

Diante do intenso sofrimento causado pelas ameaças do ex-namorado, a jovem começou a apresentar sintomas depressivos, culminando em pensamentos suicidas. Antes de tomar qualquer medida, contudo, ela decidiu ligar para o 190, na esperança de encontrar alguém que pudesse ajudá-la.

A ligação foi atendida por Paulo Dias, cuja especialização em psicologia lhe rendeu experiência no atendimento à população, especialmente em situações como essa. O policial conseguiu acalmar a mulher e a convenceu a não cometer o autoextermínio. Momentos depois, uma equipe da PMDF chegou ao endereço da vítima para apará-la .

A moça, então, confirmou aos militares a intenção de tirar a própria vida, mas declarou que desistiu da ideia após ser acolhida pelo sargento.

Na data, o Corpo de Bombeiros Militar do Distrito Federal (CBMDF) foi acionado e conduziu a mulher ao Hospital Regional do Guará para receber atendimento médico. Além disso, a vítima foi orientada a procurar a Delegacia Especial de Atendimento à Mulher para registrar uma ocorrência contra o homem.

Busque ajuda

Metrópoles tem a política de publicar informações sobre casos ou tentativas de suicídio que ocorrem em locais públicos ou causam mobilização social, porque esse é um tema debatido com muito cuidado pelas pessoas em geral.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) recomenda que o assunto não venha a público com frequência, para o ato não ser estimulado. O silêncio, porém, camufla outro problema: a falta de conhecimento sobre o que, de fato, leva essas pessoas a se matarem.

Está passando por um período difícil? O Centro de Valorização da Vida (CVV) pode ajudar por meio do número 188. A organização atua no apoio emocional e na prevenção do suicídio, atendendo, voluntária e gratuitamente, todas as pessoas que querem e precisam conversar, sob total sigilo, por meio de telefone, e-mail, chat e Skype, 24 horas, todos os dias.

Samu

O Núcleo de Saúde Mental (Nusam) do Samu também é responsável por atender demandas relacionadas a transtornos psicológicos. E atua tanto de forma presencial, em ambulância, como a distância, por telefone, na Central de Regulação Médica 192.

Na rede pública da saúde, a assistência psicológica pode ser encontrada nos Centros de Atenção Psicossocial (CAPs), em hospitais e nas unidades básicas de Saúde.

O UniCeub também oferece atendimento. Pela taxa de R$ 40, crianças, a partir de 4 anos, adolescentes, adultos, casais e famílias podem ser atendidos. As consultas acontecem no Edifício União, localizado no Setor Comercial Sul. Após a avaliação psicológica do paciente, as consultas são agendadas uma vez por semana, com o apoio dos alunos do curso de psicologia. Os interessados podem agendar o atendimento por telefone (61) 3966-1626, ou presencialmente, no Edifício União.

A Universidade Católica de Brasília (UCB) também oferece esse tipo de acompanhamento. O atendimento terá novas vagas a partir de março de 2024. No momento, a clínica oferece o plantão psicológico, ou seja, atendimento em sessão única voltado para casos de emergência, quando o paciente está em crise depressiva, por exemplo.

* Nomes fictícios para resguardar a identidade e garantir a segurança das vítimas

NO COMMENTS

LEAVE A REPLY

Please enter your comment!
Please enter your name here

Sair da versão mobile