Documento ocultado, acusação de combinação de versões e “rival” acessando defesa de coronel. Essas são algumas das movimentações suspeitas envolvendo o emaranhado processo dos policiais militares do Distrito Federal presos pelo 8 de Janeiro, que o ministro Alexandre de Moraes votou para tornar réus. Enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) julga, no ambiente virtual, se aceita a denúncia da Procuradoria-Geral da República (PGR) contra a cúpula da PMDF, os bastidores da defesa dos militares fervem com supostas interferências.
São sete policiais da corporação presos e denunciados por omissão imprópria nos atos contra a democracia de 8 de Janeiro de 2023, sendo dois que chegaram a ocupar o cargo de comandante-geral da tropa e três ex-comandantes de outros cargos altos na PMDF. O cenário ajuda a contextualizar a dinâmica de poder envolvida no processo. Mas, como ficou claro durante os depoimentos desses policiais à Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Câmara Legislativa, há narrativas diferentes dentro desse grupo, que envolvem trocas de acusações fortes.
Entre suspeitas, há possível ocultação de documentos solicitados pelo STF. Em ofício de 5 de março de 2023, Moraes solicitou ao então comandante-geral Klepter Rosa uma série de informações. Entre elas, o ministro pediu “procedimentos, ordens de serviço, despachos ou quaisquer documentos” no âmbito do 1º Comando de Policiamento Regional (CPR), do 2º CPR e de outros setores da PMDF, a partir do recebimento de uma circular de 6 de janeiro de 2023.
Enquanto o 2º CPR enviou vários documentos, como dois registros de atividade policial e dois relatórios de serviço, por exemplo, o 1º CPR respondeu que “não houve a produção de documentos, procedimentos, ordens de serviço, despachos ou quaisquer documentos” a partir do recebimento da circular citada. No entanto, a reportagem teve acesso a dois relatórios do 1º Comando de Policiamento Regional, um deles trazendo já no título: “1º CPR – Relatório – Operação Manifestação”.
Dois documentos do 1º CPR
O documento diz conter detalhes da “operação na Esplanada dos Ministérios para assegurar o policiamento durante as manifestações ocorridas no dia 8 de janeiro de 2023”. No outro, há um relatório que “tem por objetivo informar com o máximo de informações o planejamento, as medidas tomadas e os fatos que ocorreram na manifestação”. Nesse, o 1º CPR, comandado na época dos atos antidemocráticos pelo coronel Marcelo Casimiro Vasconcelos Rodrigues, hoje preso, é indicado como a unidade que planejou a segurança e determinou o efetivo para conter os atos.
“Rivais”
Na CPI, Casimiro afirmou que “não foi atribuída ao 1º CPR” a função “de planejar”, pois isso seria responsabilidade do Departamento de Operações (DOP). O DOP era comandado pelo coronel Jorge Eduardo Naime Barreto, que tirou licença do cargo em 3 de janeiro de 2023. No lugar de Naime, assumiu o coronel Paulo José Ferreira de Sousa Bezerra, que chegou a dizer aos deputados da Comissão Parlamentar que “Casimiro merece o troféu Pinóquio” pela “cara de pau do ano”. Os depoimentos de Paulo e Casimiro mostraram que ambos têm versões distintas sobre responsabilidades no 8 de Janeiro, o que os torna “rivais” no processo.
Nesse ponto, entra mais uma suspeita de interferência lançada. Paulo José contratou dois advogados em maio de 2023 e, em junho, assistiu à oitiva de Casimiro na Câmara Legislativa, jogando acusações contra ele, como de que veio dele a ordem para abrir a Esplanada dos Ministérios para o ato.
Em agosto, mês da prisão da cúpula da PMDF, Paulo soube que os advogados contratados auxiliavam o advogado de Casimiro. Ele, então, resolveu destituir a defesa. Os atuais advogados, no entanto, alegam que, já depois de assumirem o caso, a dupla antiga ainda acessou indevidamente a defesa de Paulo. O caso foi divulgado pelo Intecept Brasil e confirmado pelo Metrópoles.
Enquanto Casimiro acusa Paulo José de ter falhado no planejamento para conter os extremistas em 8 de Janeiro, Paulo acusa Casimiro de divulgar uma versão combinada entre militares alinhados ideologicamente. Fábio Augusto, ex-comandante-geral e também preso, por exemplo, foi questionado na CPI sobre quem da corporação falhou na data. Ele foi categórico: “Quem tem obrigação de fazer o planejamento é o DOP. O chefe do DOP era o coronel Paulo José”.
Meses depois, o presidente da CPI, Chico Vigilante (PT), chegou a dizer que Paulo José havia sido usado como “boi-de-piranha”, ou seja, que outros PMs haviam combinado de jogar a culpa sobre ele para se livrarem de punições. Dentro dessas possíveis combinações de versões, também se ventila nos bastidores das conversas entre advogados uma possível ligação gravada entre uma pessoa atualmente em cargo de comando na PMDF para esposa de um policial preso, marcando uma conversa para alinhar “estratégia de defesa”, que ficaria “boa para todo mundo”.