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Brasília teve seis centros de tortura e violações na ditadura militar

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No início da manhã de 13 de fevereiro de 1970, durante a ditadura militar, Elza Souza de Alcântara ouviu uma batida na porta de casa, no Distrito Federal. Ao abri-la, viu três homens de terno que se apresentaram como funcionários da Caixa Econômica e perguntaram sobre o marido dela, o bancário Abelardo Rausch de Alcântara.

Abelardo não reconheceu os homens, mas decidiu acompanhá-los, já que naquela época corriam investigações na sede de sua agência. Elza foi informada horas depois de que o marido estava prestando depoimento em uma delegacia em Taguatinga.

No dia seguinte, a mulher recebeu nova visita. Um outro rapaz desconhecido solicitou roupas para o bancário, que ainda estaria na delegacia, mas iria para o trabalho em seguida. Horas depois, uma vizinha avisou a mulher que Abelardo estava, na verdade, em um caixão na capela nº 1 do Cemitério Campo da Esperança — usando as mesmas roupas pedidas pelo estranho.

As informações sobre a morte do bancário foram investigadas e detalhadas pela Comissão Nacional da Verdade (CNV).

Elza relata que o rosto do marido estava inchado e enfaixado. Ela resolveu desabotoar a camisa e percebeu que o corpo apresentava hematomas, marcas de queimadura, feridas variadas e que o braço esquerdo aparentava estar quebrado.

Segundo a CNV, Abelardo morreu sob torturas feitas por agentes do Estado no Pelotão de Investigações Criminais (PIC), situado dentro do Batalhão de Polícia do Exército de Brasília (foto em destaque).

O local é considerado, na capital federal, um dos principais centros de tortura e assassinatos contra opositores do regime ditatorial, iniciado com um golpe que completa 60 anos neste domingo (31/3). Além do espaço, a CNV aponta a existência de outros cinco endereços onde ocorreram graves violações de diretos humanos no período.

Os locais de tortura e violações em Brasília foram:

Batalhão de Guarda Presidencial
DOI-Codi (Brasília)
Departamento Geral de Investigação e Dops – Delegacia de Polícia Federal
Ministério da Marinha
Ministério do Exército
Pelotão de Investigações Criminais (PIC)

Crimes dentro do PIC

Relatos das vítimas dão conta da existência de uma sala reservada apenas para as torturas, que serviam, conforme as gírias dos militares, para “arrepiar” os presos.

Havia espancamentos generalizados, choques elétricos, afogamentos e até mesmo a aplicação do “pau de arara”, uma barra de ferro, sobre dois cavaletes, onde o preso fica dependurado enquanto é agredido.

Em depoimento à Comissão Anísio Teixeira de Memória e Verdade da Universidade de Brasília (CATMV-UnB), a militante Maria José da Conceição disse que, em todas as noites que passou presa, escutou gritos de pessoas sendo torturadas no PIC. Durante o período vivido dentro do batalhão, ela estava grávida e sofreu aborto devido às agressões.


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“Um comunista a menos”

Nas primeiras operações contra a Guerrilha do Araguia, era comum que os militantes preso fossem transferidos para Brasília, para serem interrogados e torturados no Pelotão de Investigações Criminais. Para a CNV, Criméia Schmidt contou os seus momentos quando esteve presa no local em 1972.

“No dia 11 de fevereiro eu estava no PIC, e rompeu a bolsa, eu comecei a entrar em trabalho de parto, pedi ajuda aos carcereiros e etc., e essa ajuda só veio por volta das 5h da manhã, e me levaram para o Hospital de Base de Brasília. […] Eu reclamei que a criança não ia aguentar, que ia morrer, ele disse: ‘Não tem importância, é um comunista a menos’”, conta a mulher.

A criança conseguiu sobreviver, mas estava desnutrido e precisou ficar mais de 50 dias no hospital. Posteriormente, a mãe foi reconduzida ao PIC e o recém-nascido, levado à casa de uma tia.

Restos mortais 43 anos depois

Epaminondas Gomes de Oliveira era um camponês maranhense interessado por política. No final da década de 1950, ele se tornou militante do Partido Revolucionário dos Trabalhadores (PRT). Por sua atuação, acabou sendo alvo da Operação Mesopotâmia, ação secreta realizada pelo Comando Militar do Planalto com o apoio do Centro de Informações do Exército (CIE).

De acordo com o relatório final da Comissão Nacional da Verdade (CNV), após torturas sofridas no PIC, o homem morreu em 1971. A família, entretanto, só conseguiu se despedir de Epaminondas em 31 de agosto de 2014, quando os restos mortais foram devolvidos.

“Nesse sentido, a Comissão Nacional da Verdade apurou, com base em testemunhos de outros presos da mesma unidade – o Pelotão de Investigações Criminais do Exército (PIC), em Brasília –, a prática recorrente de tortura por espancamentos e choques elétricos naquele estabelecimento, inclusive as torturas sofridas pelo próprio Epaminondas desde sua prisão no Pará, duas semanas antes de sua morte”, aponta a CNV.

Outros locais

O advogado criminalista Henrique Cintra Ferreira de Ornellas morreu nas dependências do Comando Militar do 8ª Grupo de Artilharia Antiaérea, em Brasília, no ano de 1973. A versão oficial da causa da morte foi suicídio.

Laudo pericial da CNV, a partir da documentação produzida à época e fotografias da vítima, porém, descartou o autoextermínio. O documento apontou que o “diagnóstico diferencial do evento é de homicídio e que a vítima foi colocada no local em que foi encontrada, muito provavelmente, inconsciente, ou logo após o homicídio ter sido consumado”.

Anos antes, a repressão já tinha feito outra vítima no DF. O estudante Ari Lopes de Macedo morreu na Delegacia de Polícia Federal, em Brasília, após ser preso no Pará. Novamente, as informações divulgadas pelas autoridades indicavam suicídio como causa.

No entanto, laudo posterior constatou a presença de inúmeras equimoses e escoriações no corpo da vítima. As lesões descritas poderiam tanto ter sido ocasionadas por “impacto contra o solo” quanto pelo “processo desumano, execrável e cruel de aliciamento para a obtenção da confissão”.

Familiares até tentaram denunciar o caso à Assembleia Legislativa do Pará, mas um novo inquérito policial para apurar as circunstâncias do assassinato e responsabilizar os seus autores nunca foi aberto.

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