Nascida no Distrito Federal, A Cia. Street Cadeirante é uma iniciativa pioneira no país que busca transformar a vida de Pessoas com Deficiência (PCDs) por meio do acesso democrático à dança. Iniciado em 2018, o projeto reúne centenas de alunos pelo Brasil e nasceu através do sonho da jornalista e bailarina Carla Maia, que queria reinventar o mundo das coreografias para pessoas que usam cadeira de rodas.
Desde a infância, Carla nutria uma paixão pela dança. Ela ficou tetraplégica aos 17 anos, quando era líder da banda do colégio em que estudava. A jornalista começou a sofrer de torcicolos e descobriu um sangramento medular. O problema causou uma lesão na coluna cervical, fazendo-a perder os movimentos das mãos e das pernas.
No entanto, o caso de amor pelo universo dos movimentos artísticos era antigo e forte o suficiente para superar obstáculos e limitações. A tetraplegia, por um período, fez com que Carla perdesse o prazer de dançar. Não pela dificuldade de movimentação, mas pela insegurança e medo dos julgamentos.
Até que tudo mudou depois que ela descobriu que poderia retomar o gosto pela dança sobre a cadeira de rodas. Com um bônus: inspirar outras pessoas.
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Carla Maia, jornalista, bailarina e idealizadora do projeto iniciado em 2018. (CEO do Street Cadeirante
Estevão Lopes, aluno
Foto : IGO ESTRELA/Metropoles
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Ana Claudia Fiche, aluna
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Leonice
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“Quando representei o Brasil no primeiro concurso Miss Mundo Cadeirante, conheci uma cadeirante de Los Angeles que dominava o estilo de rua sobre as rodas. Voltei decidida a dançar novamente. Me matriculei em uma academia e comecei a adaptar os movimentos e vi que ficava esteticamente bonito”, relembra Carla.
Depois de um tempo, ela sugeriu ao professor e a dona da academia que criassem uma turma de cadeirantes, para que outras amigas dela que usam cadeira de rodas pudessem vivenciar a mesma alegria. A academia embarcou na ideia, e assim o Street Cadeirante dava seus primeiros voos.
No início, eram apenas aulas entre amigos. Mas, atualmente, cinco anos depois, o projeto conta com dois eixos. O Street Cadeirante Show é formado por Carla Maia, Leonice Friedrich, Estevão Lopes, Ana Claudia Fiche, Kássia Gomes, Piedade Silva, Juliana Lindsem, Mariana Guedes e Delma Ferro.
Os bailarinos são de Brasília, ensaiam semanalmente e já realizaram diversas apresentações pelo país. Entre elas: destacam-se espetáculos no Carnaval do Parque, Festival Na Praia e, até mesmo, no Teleton, ao lado da cantora Lexa.
Inclusão: conheça a cia de dança brasiliense que encantou Luciano Huck
“O legal do nosso projeto é que são danças feitas exclusivamente para nós. Você se sente à vontade para estar se desafiando em uma coreografia complexa que respeita suas limitações, mas que é esteticamente bonita. Eu nunca quis dançar e parecer bonitinho tipo ‘os cadeirantes que dançam’. Quero que olhem pra gente de forma a não perceber as nossas limitações, mas sim que estamos dando show, um verdadeiro espetáculo de dança”, reforça Carla.
O segundo eixo é o Street Cadeirante Virtual, criado durante a pandemia de covid-19, com aulas on-line e gratuitas via Zoom, todo sábado, para pessoas com deficiências físicas em qualquer lugar do país. Com 130 inscritos e média de 30 integrantes por aula.
“Além de ser um ambiente que todo mundo vive a mesma realidade, é muito mais do que só dançar, a gente faz amizade, atividade física, trabalha o emocional e a questão da inclusão também. A gente tá tendo um destaque pioneiro e queremos mais. A dança me empoderou”, destaca a fundadora.
Carla acredita que contar com profissionais experientes foi um ponto positivo como dançarina, mas também uma ótima oportunidade para que as pessoas mudassem o olhar sobre os integrantes da companhia. O grupo já foi coreografado por bailarinos que trabalharam com artistas como Anitta, Léo Santana, Shakira e Maluma.
O grupo vai se apresentar no Bloco Portadores da Alegria, nesta terça-feira (13/2), no Parque da Cidade. Desde 2015, o cortejo carnavalesco anima a programação do DF, oferecendo um espaço acessível e seguro para que pessoas com deficiência possam aproveitar a data.
Cia de Dança Street Cadeirante
Cia de Dança Street Cadeirante
Street Cadeirante no Caldeirão do Huck
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Cia de Dança Street Cadeirante
Cia de Dança Street Cadeirante e Eduardo Amorim
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Recentemente, o grupo viralizou nas redes sociais ao gravar um vídeo dançando a música Macetando, da Ivete Sangalo. A publicação já acumula mais de 100 mil visualizações e, inclusive, foi repostada pela própria cantora. Assista:
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Único bailarino do Street Cadeirante
Em meio ao grupo formado majoritariamente por mulheres, Estevão Carvalho Lopes, 45 anos, é o único bailarino da companhia. Ele ficou paraplégico em 2012, após ser vítima da violência na capital federal. Enquanto saía do aniversário de um amigo, o advogado e educador físico foi atingido por uma bala perdida.
Desde então, o rumo da vida do dançarino mudou e o levou para caminhos jamais imaginados. “Eu me deparei com essa realidade. No começo, fiquei desesperado, mas tive a grata oportunidade de fazer reabilitação, conhecer os esportes adaptados e virar um atleta paraolímpico. Nesse processo todo, também me descobri na dança. Nunca tinha dançado antes, era todo duro, mas me apaixonei, é algo que não me vejo sem”, comenta Estevão.
Para ele, a dança tem um papel fundamental e possibilita que ele transforme a vida de outras pessoas. “A limitação tá muito em nossas cabeças. Limitação cada uma tem a sua, às vezes a minha é estar na cadeira de rodas. Mas viver é bom demais”, exclama.
Estevão também é atleta de remo e vela adaptada. Graças a um projeto tecnológico idealizado na Universidade de Brasília (UnB), ele conseguiu voltar a pedalar, mesmo sem ter os movimentos das pernas.
Superação do medo de dançar
A gaúcha Leonice Friedrich, 35 anos, mudou-se para Brasília no intuito de ter acompanhamento na Rede Sarah, após ficar paraplégica em razão de um acidente de carro, em 2015. Nesse meio tempo, ela se encontrou como atleta medalhista na paracanoagem e superou o medo de voltar a dançar.
“Eu sempre gostei de dançar, inclusive, até hoje, é uma das coisas que mais me dói por causa da lesão, mas consigo lidar super bem com isso. O street melhorou aquele trauma, aquele medo de dançar ou de que me olhassem de uma maneira diferente porque estou em uma cadeira de rodas. É uma dor que consegui preencher de certa forma”, conta Leonice.
Na visão da bailarina, a dança permite que os cadeirantes sejam vistos para além da deficiência. “A gente dança, faz esporte, trabalha, é mãe, tudo junto. Então, não é mais aquela visão do ‘coitado, não consegue fazer nada’. Faz a gente se redescobrir em algum momento. Antes, eu mesma não conseguia que as pessoas ficassem me olhando muito tempo e isso pós lesão piorou. Agora não, agora eu faço questão de me mostrar, que eu tô lá em cima, que eu tô dançando”, vibra.
Segundo Leonice, a rotina que leva em Brasília também inspirou dois primos seus que também são cadeirantes a levarem uma vida mais ativa. “Eu estou descobrindo o que a dança é pra mim agora, porque antes era diversão, né?Agora, realmente tá abrindo um leque maior de visões, além de ser bom pra mim, me fez superar muitos traumas”, pondera.
Dança que aquece a alma
Integrante do Street Cadeirante desde 2020, a servidora pública aposentada Ana Claudia Fiche, 54 anos, conta que a dança aquece a alma dela. “A gente se envolve de tal forma que aquilo satisfaz a nossa alma, é gostoso e prazeroso. Mesmo que não saiba dançar, a pessoa se requebra, se remexe. Hoje eu não consigo me ver sem dançar”.
Na percepção dela, projetos voltados para pessoas com algum tipo de deficiência são extremamente importantes para o resgate da autoestima e a vontade de viver.
Ana ficou paraplégica em 2019, após sofrer um acidente de carro. Logo após a descoberta da lesão, ela participou do Circuito das Estações, no qual percorreu 5km na cadeira de rodas com a ajuda de alguns amigos.
“Esse dia me marcou porque uma mulher pediu para tirar uma foto minha lá e quando eu questionei o motivo, ela me disse que era para incentivar a irmã dela, que também era cadeirante, mas só não saia de dentro de casa”, relembra.
Nesse meio tempo, Ana também se descobriu atleta de paracanoagem. Ano passado, ela foi convocada para representar o Brasil no campeonato mundial da modalidade, na Alemanha.
“A gente vê diversas pessoas que sofreram um acidente, as pessoas meio que apagaram, que parece que desistem de viver. O trabalho da Rede Sarah, por exemplo, é excepcional, pois resgata isso nas pessoas, é extremamente necessário. O mais importante é falar para as pessoas que as oportunidades existem”, reforça a atleta.