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Deltan pediu que ONG financiasse hospedagem de promotores venezuelanos

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Trocas de mensagens inéditas que constam nos documentos da Operação Spoofing, obtidos por meio de um ataque hacker, revelaram que o ex-procurador Deltan Dallagnol exigiu sigilo de Bruno Brandão, diretor da organização não governamental (ONG) Transparência Internacional (TI) Brasil, de combate à corrupção, que a entidade pagasse a alimentação e a hospedagem de promotores venezuelanos no Brasil, em 2017.

Logo após o pedido, o então integrante do Ministério Público Federal (MPF) disse que, caso a benesse precisasse passar por “autorização superior”, a viagem poderia ser adiada. À época, Deltan era coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba (PR).

“Bruno: sigiloso. TI bancaria a hospedagem e alimentação de promotores da Venezuela para passar uma semana conosco, de modo confidencial, trabalhando nas investigações da Venezuela? Não comente com ninguém. Se for necessário autorização superior, adiamos pra ver no momento necessário e da forma certa”, Escreveu Deltan em uma troca de mensagens datada de 28 de agosto de 2017.

O código de ética do ONG, no entanto, proíbe que integrantes e terceiros contratados ofereçam, prometam ou autorizem “a concessão de qualquer valor pecuniário ou vantagem indevida a funcionário público nacional ou estrangeiro, agente ou candidato político ou qualquer outro indivíduo, com a finalidade de garantir qualquer vantagem, influência ou tomada de decisão indevida a qualquer uma das atividades desempenhadas pela organização”.

Confira:

Regime de Maduro

Ao trazer os integrantes do Ministério Público venezuelano ao Brasil, Bruno e Dallagnol planejavam obter informações sigilosas sobre supostos atos de corrupção no país vizinho, a fim de dar uma resposta política ao endurecimento do regime imposto por Nicolás Maduro, mesmo que uma eventual divulgação desses dados não tivesse efeitos jurídicos.

De acordo com as conversas vazadas, envolvidos na Operação Lava Jato no Brasil mantinham diálogo constante com procuradores venezuelanos que acusavam Maduro de persegui-los.

Em 31 de outubro do mesmo ano, em nova troca de mensagens, Bruno Brandão diz que estava em um debate sobre a Venezuela na Fundação Fernando Henrique Cardoso (FHC) e pediu permissão para mencionar que a Transparência Internacional atuava junto à força-tarefa da Lava Jato (FTLJ), para abertura de processos extraterritoriais contra autoridades venezuelanas. Deltan, então, diz não ter objeções.

Nesse período, o diretor da ONG atuava como parceiro de Deltan e procurava financiadores de campanhas do ex-procurador.

“Delta, tudo bem? Voltei hoje e já estou novamente na ativa. Estou num debate sobre a Venezuela, na Fundação FHC e queria comentar que a TI está defendendo, junto à FTLJ, que se abram processos extraterritoriais contra autoridades venezuelanas. Alguma objeção?”, perguntou Bruno. “Sem objeções. É até bom para testar terreno”, respondeu Deltan.

Cinco dias depois, contudo, Bruno encaminha uma mensagem a Dallagnol e informa que deixará os planos “mais para frente”.


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Conversas no Telegram

Como revelado pelo portal Intercept nas publicações sobre o escândalo que recebeu o nome de “Vaza Jato”, o ex-juiz federal e atual senador Sergio Moro (União-PR) usou o aplicativo Telegram, em 5 de agosto de 2017, para fazer uma sugestão a Deltan: “Talvez, seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR [Procuradoria-Geral da República]?”.

Um ano antes, diretores da Odebrecht – uma das empresas investigadas na Operação Lava Jato – haviam admitido o pagamento de suborno para fechar parcerias comerciais em 11 países, entre eles a Venezuela. No entanto, todas as informações contidas na delação estavam sob sigilo, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em resposta a Moro, Dallagnol concorda, apesar de demonstrar preocupação com uma possível desaprovação de setores da sociedade. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos”, escreveu o então procurador.

Em seguida, Moro reforça que o vazamento seria a opção mais viável naquele momento, independentemente de uma eventual ação penal futura contra quem divulgasse as informações. “Tinha pensado, inicialmente, em tornar público [a] acusação. Daí, vcs [vocês] têm que estudar viabilidade. [Sic]”

O procurador destaca a impossibilidade de a força-tarefa revelar o conteúdo da delação, mas indica outra maneira: “Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá para enviar informação ‘espontânea’ [à Venezuela], e isso torna provável que, em algum lugar no caminho, alguém possa tornar público [o delatado]”.

Nos dias seguintes, integrantes da força-tarefa se mostraram receosos diante do tema. Em um grupo no Telegram, o também procurador do MPF Paulo Galvão ponderou: “Vejam que uma guerra civil lá; é possível e [que] qq [qualquer] ação nossa pode levar a mais convulsão social e mais mortes”.

Na sequência, o procurador Athayde Ribeiro Costa emenda: “Imagina se ajuizamos, e o maluco [Nicolás Maduro] manda prender todos os brasileiros no território venezuelano”. Dallagnol, na sequência, tenta tranquilizar os colegas. “PG [Paulo Galvão], quanto ao risco, é algo que cabe aos cidadãos venezuelanos ponderarem. Eles têm o direito de se insurgirem”, escreveu Deltan.

A Transparência Internacional

No site oficial da entidade, a Transparência Internacional Brasil afirma ser uma organização não governamental apartidária, sem alinhamentos ideológicos, sem fins lucrativos e dedicada à luta contra a corrupção. A ONG é financiada por fundações, organismos multilaterais e bilaterais, por doações de pessoas físicas e do setor privado e por meio de multas aplicadas a empresas.

Como mencionado no código de ética da organização, ela é proibida de efetuar “pagamentos de facilitação, em nome próprio ou de seus integrantes, para garantir ou agilizar ações de rotina que tenham como objetivo beneficiar a organização ou alguém a ela relacionado”.

O texto veta, ainda, doações a partidos políticos ou a candidatos: “O relacionamento com candidatos a cargos eletivos e seus respectivos partidos é restrito às iniciativas promovidas ou adotadas pela organização em prol da causa do combate à corrupção”.

O que diz Deltan

Procurado pela reportagem ,Deltan Dallagnol defendeu que as mensagens eram de caráter republicano e dentro do contexto defendido pela ONG Transparência Internacional. Leia, abaixo, na íntegra:

“Sobre a Venezuela, os textos enviados claramente tratam de alternativas legais de dar tratamento ao assunto das propinas pagas a autoridades da Venezuela, como oferecer denúncia ou fazer pedido de cooperação, que poderiam resultar na publicidade. Caso os procuradores ou juiz quisessem vazar os dados, bastaria passar pra imprensa, o que está claro ali que não foi nem seria feito. As supostas mensagens, se verdadeiras, só mostram a correção dos procedimentos”.

Perfil e cassação de candidatura

Deltan Dallagnol atuou como procurador da Lava Jato de 2014 a 2021, ano em que pediu exoneração do cargo para concorrer ao cargo de deputado federal do Paraná pelo partido Podemos, nas eleições de 2022. Em maio de 2023, o ex-parlamentar teve o registro de candidatura cassado por unanimidade, no Tribunal Superior Eleitoral (TSE).

Os ministros da Corte entenderam que Dallagnol pediu exoneração do cargo de procurador para escapar de um Processo Administrativo Disciplinar (PAD) no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), o que poderia impedi-lo de concorrer às eleições. Assim, os magistrados do TSE concluíram que o Deltan não atendeu aos disposto na Lei da Ficha Limpa.

A norma determina que integrantes do Ministério Público não podem se candidatar se tiverem pendências sob análise e caso tenham se aposentado compulsoriamente ou se afastado do cargo. Antes de lançar a própria candidatura, Dellagnol foi alvo de reclamações administrativas que poderiam resultar na demissão dele. O PAD, no entanto, resultou em uma advertência como penalidade.

Além disso, em 2022, ele foi condenado pelo Tribunal de Contas da União (TCU) em um processo que analisava gastos com diárias por procuradores da Lava Jato.

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