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Doações a ONG teriam sido usadas em campanha defendida por Dallagnol

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Em conversas que integram os documentos da Operação Spoofing, obtidas por meio de um ataque hacker, Bruno Brandão, diretor da organização não governamental (ONG) Transparência Internacional (TI) Brasil, de combate à corrupção, trocou mensagens com o ex-procurador Deltan Dallagnol (foto em destaque), em 2017, sobre uma possível doação à instituição que teria parte revertida em prol de uma campanha defendida por Dallagnol, chamada 10 Medidas contra a Corrupção.

No diálogo, extraído de um grupo no Telegram denominado “10M+ a vingança”, Bruno, Deltan e Michael Mohallem – professor da Fundação Getulio Vargas (FGV) à época – articulavam detalhes e falavam sobre eventuais financiamentos ao projeto, posteriormente usado por Deltan como bandeira eleitoral ao disputar as eleições de 2022 para o cargo de deputado federal do Paraná pelo partido Podemos.

O nome do grupo faz referência ao título da campanha, apresentado pelo Ministério Público Federal (MPF) à sociedade civil em 2015. De 2014 a 2021, Deltan atuava como coordenador da Operação Lava Jato em Curitiba (PR).

“Tive boas notícias da Embaixada da Noruega e da Fundação Omidyar. Acho que vamos receber recursos ‘não etiquetados’ deles (não vinculados a projetos) e que poderíamos reverter uma parte para custear essa primeira etapa de preparação das 10 M+ (principalmente as viagens do comitê)”, disse Bruno, em mensagens de 2 de março de 2017. Dallagnol, então, respondeu: “Manda ver Bruno”.

Um mês antes, Bruno chegou a mencionar que gostaria de reverter recursos do “caixa geral” da ONG para apoiar as “10M+”. Nessa troca de mensagens, que tinha como assunto principal a captação de financiadores, Michael afirmou que não “via razão” para que nomes de apoiadores não fossem divulgados. Bruno, porém, comentou preferir que “recursos da TI não fossem vinculados diretamente ao projeto” das 10 Medidas.

“Preferiria receber recursos da TI [Transparência Internacional] não vinculados diretamente a este projeto [das 10+] e que pudéssemos reverter do ‘caixa geral’ da TI para algo assim”, pontuou Bruno. Em seguida, Michael completou: “Seria perfeito”.

O código de ética da ONG, no entanto, proíbe esse tipo de ação. As normas estabelecem que integrantes e terceiros contratados não podem oferecer, prometer ou autorizar “a concessão de qualquer valor pecuniário ou vantagem indevida a qualquer funcionário público nacional ou estrangeiro, agente ou candidato político ou qualquer outro indivíduo, com a finalidade de garantir qualquer vantagem, influência ou tomada de decisão indevida a qualquer uma das atividades desempenhadas pela organização”.

Leia:

Recursos para viagens

Os diálogos revelam, ainda, que ao menos 10 passagens aéreas de Deltan foram possivelmente bancadas pela Transparência Internacional, para reuniões do grupo em torno do projeto.

Em 15 de março de 2017, por exemplo, o ex-procurador disse que havia perdido “o tempo” e que o “prazo para pedir passagens” pelo MPF havia estourado. Bruno, então, perguntou se Dallagnol teria disponibilidade e poderia tentar emitir as passagens por intermédio da Transparência Internacional Brasil.

Em 19 de abril daquele ano, Deltan questionou se “o projeto bancaria” as passagens dele para uma reunião. Bruno respondeu que sim e pediu itinerário e dados do ex-procurador para emissão dos bilhetes.

“Caros, o projeto consegue bancar minhas passagens para a próxima quinta?”, indagou Dallagnol. “Sim. Manda o itinerário e seus dados, por favor, que eu peço para emitirem”, declarou Bruno. Deltan, então, finalizou: “Boa”.

Meses depois, o ex-procurador pediu novamente outras passagens: “Bruno, acho que vou precisar de passagens pela TI porque passou o prazo de pedir pela proc…[procuradoria]”. Apesar de a solicitação ter se direcionado a Bruno, quem respondeu a Deltan foi Michael: “Vou solicitar agora. Deve ser emitida amanhã pela manhã. Abraço”.

O que dizem os citados

O ex-procurador Deltan Dallagnol respondeu aos questionamentos por meio de nota, na qual diz que “na época indicada no texto, não existia mais nenhuma campanha sobre as 10 Medidas contra a Corrupção. O que existia era um projeto da FGV e da TI sobre as Novas Medidas Contra a Corrupção. Então, se os recursos tiverem sido destinados ao projeto, não foram revertidos em favor de Deltan, evidentemente, mas de um projeto apoiado por numerosas pessoas e entidades”.

Dallagnol prossegue e afirma que “jamais pedi que a Transparência Internacional bancasse viagens relacionadas às Novas Medidas”.

Já a Embaixada da Noruega, mencionada no diálogo entre Bruno e Dallagnol, confirmou a doação feita, e que o valor chegou a R$ 780 mi. Leia abaixo:

A Noruega apoia a Transparência Internacional (TI) tanto no Brasil quanto em todo o mundo. Essa parceria reflete o compromisso da Noruega em promover a transparência e combater a corrupção em nível global. No Brasil, a Transparência Internacional tem o apoio do país nórdico desde 2016, com financiamentos para o estabelecimento do Capítulo Brasileiro da Transparência Internacional, e questões de anticorrupção e transparência. O então procurador Deltan Dallagnol foi um dos colaboradores do projeto “Unidos contra a Corrupção”, que envolveu mais de 200 especialistas em anticorrupção. O projeto foi apoiado pela Noruega, juntamente com outros doadores. O valor doado pela Noruega no ano de 2017 foi de R$ 780 mil. Em uma das reuniões realizadas pela TI Brasil e FGV no Rio de Janeiro, a então cônsul-geral da Noruega no Rio de Janeiro encontrou com representantes da TI, da FGV e o então procurador.”

Já a Transparência Internacional, também por meio de nota, disse que todas as doações foram “auditadas e diligenciadas” no próprio site da instituição. Leia, abaixo, na íntegra:

Em 2017 e 2018, a Transparência Internacional Brasil liderou, em parceria acadêmica com a Fundação Getulio Vargas, um trabalho de elaboração coletiva de um pacote de propostas de reformas e políticas públicas anticorrupção. A publicação, chamada de “Novas Medidas contra a Corrupção”, contém 70 propostas e foi idealizada como uma contribuição técnica e plural para um debate central no país – sobre corrupção – mas carente de conteúdo propositivo.

Foi também uma resposta à experiência anterior do pacote das 10 Medidas, defendidas pelo Ministério Público, mas que trazia apenas a visão da instituição (ou por parte de seus membros) sobre a luta contra a corrupção pela via penal. Ao contrário do pacote anterior do MP, as Novas Medidas contra a Corrupção abarcam temas de prevenção, educação, reformas administrativas, transparência e acesso à informação, entre muitos outros. Foi elaborado com ampla consulta pública e contou com a participação de mais de duzentos especialistas, com visões e áreas de atuação distintas, entre gestores públicos, acadêmicos, ativistas, advogados, defensores públicos, juízes e, também, procuradores.

Em sequência à elaboração do pacote, a TI Brasil liderou, junto com mais de 50 organizações da sociedade civil, a campanha Unidos contra a Corrupção, com o propósito de gerar atenção e engajamento no debate das Novas Medidas. A proposta foi reunir apoio dos mais variados segmentos sociais, em defesa do voto consciente nas eleições de 2018 e do compromisso dos candidatos com o debate sobre as Novas Medidas, a integridade e a democracia.

Como diz o nome e está posto nos compromissos, a estratégia principal foi superar o desafio da polarização e afastar o autoritarismo do debate público brasileiro sobre corrupção. Neste sentido, a UCC contou com apoio de inúmeras organizações da sociedade civil, academia, artistas, esportistas e mais de meio milhão de cidadãos. Os compromissos foram adotados por candidatos de diversas matizes políticas, com destaque aos então candidatos presidenciais Geraldo Alckmin, Guilherme Boulos, Henrique Meirelles e Marina Silva.

O então procurador Deltan Dallagnol foi um grande apoiador e entusiasta tanto do pacote das Novas Medidas como da campanha Unidos contra a Corrupção, como mostram inúmeras declarações públicas e participações em debates sobre o assunto, em 2017 e 2018. As entidades organizadoras do pacote e da campanha, no entanto, tomaram diversas precauções para que as iniciativas não fossem indevidamente apropriadas ou associadas equivocadamente a um indivíduo, a uma organização ou a um campo político – o que comprometeria seu sentido e proposta central de pluralidade e união.

A Transparência Internacional Brasil foi a principal financiadora do projeto das Novas Medidas contra a Corrupção e da campanha Unidos contra a Corrupção, com recursos de doações de terceiros para as iniciativas e recursos institucionais. Todos os gastos foram reportados integralmente aos financiadores e incluídos nos relatórios financeiros da TI Brasil, submetidos a auditoria independente e publicados em seu site. Todas as doações à Transparência Internacional são diligenciadas, auditadas e publicadas no site. No caso da campanha Unidos contra a Corrupção, houve a preocupação adicional de que não fosse apoiada por apenas um financiador, mas por um conjunto de doadores, para evitar qualquer associação equivocada com alguma marca, país ou fundação – o que jamais comprometeu a transparência da prestação de contas.

Ajuda sigilosa para MP da Venezuela

Outros trechos das conversas revelaram que o ex-procurador exigiu sigilo a Bruno Brandão ao pedir que a TI Brasil pagasse a alimentação e a hospedagem de promotores venezuelanos no Brasil, em 2017.

Após a solicitação, o então integrante do MPF disse que, caso a benesse precisasse de “autorização superior”, a viagem poderia ser adiada.

“Bruno: sigiloso. TI bancaria a hospedagem e alimentação de promotores da Venezuela para passar uma semana conosco, de modo confidencial, trabalhando nas investigações da Venezuela? Não comente com ninguém. Se for necessário autorização superior, adiamos pra ver no momento necessário e da forma certa”, escreveu Deltan, em uma troca de mensagens com data de 28 de agosto de 2017.

“Propinas” em país vizinho

Como revelado pelo portal Intercept nas publicações sobre o escândalo que recebeu o nome de “Vaza Jato”, o ex-juiz federal e atual senador Sergio Moro (União-PR) usou o aplicativo Telegram, em 5 de agosto de 2017, para fazer uma sugestão a Deltan: “Talvez, seja o caso de tornar pública a delação da Odebrecht sobre propinas na Venezuela. Isso está aqui ou na PGR [Procuradoria-Geral da República]?”.

Um ano antes, diretores da Odebrecht – uma das empresas investigadas na Operação Lava Jato – haviam admitido o pagamento de suborno para fechar parcerias comerciais em 11 países, entre eles a Venezuela. No entanto, todas as informações contidas na delação estavam sob sigilo, por ordem do Supremo Tribunal Federal (STF).

Em resposta a Moro, Dallagnol concordou, apesar de demonstrar preocupação com uma possível desaprovação de setores da sociedade. “Haverá críticas e um preço, mas vale pagar para expor e contribuir com os venezuelanos”, afirmou o então procurador.

Em seguida, Moro reforçou que o vazamento seria a opção mais viável naquele momento, independentemente de uma eventual ação penal futura contra quem divulgasse as informações. “Tinha pensado, inicialmente, em tornar público [a] acusação. Daí, vcs [vocês] têm que estudar viabilidade.”

O procurador destacou a impossibilidade de a força-tarefa revelar o conteúdo da delação, mas indicou outra maneira: “Não dá para tornar público simplesmente porque violaria acordo, mas dá para enviar informação ‘espontânea’ [à Venezuela], e isso torna provável que, em algum lugar no caminho, alguém possa tornar público [o delatado]”.

Nos dias seguintes, integrantes da força-tarefa se mostraram receosos diante do tema. Em um grupo no Telegram, o também procurador do MPF Paulo Galgão ponderou: “Vejam que uma guerra civil lá é possível e [que] qq [qualquer] ação nossa pode levar a mais convulsão social e mais mortes”.

Na sequência, o procurador Athayde Ribeiro Costa emendou: “Imagina se ajuizamos, e o maluco [Nicolás Maduro] manda prender todos os brasileiros no território venezuelano”. Dallagnol, na sequência, tenta tranquilizar os colegas. “PG [Paulo Galvão], quanto ao risco, é algo que cabe aos cidadãos venezuelanos ponderarem. Eles têm o direito de se insurgirem”, escreveu Deltan.

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