Fenômeno deve causar choques de oferta, impactando o fornecimento de produtos e serviços subitamente, aumentando preços e influenciando a inflação.
O fenômeno El Niño de 2023 deve causar perdas financeiras de cerca de US$ 3,4 trilhões (aproximadamente R$ 16,6 trilhões) em todo o mundo nos próximos cinco anos. Os dados foram levantados por pesquisadores do Dartmouth College, nos Estados Unidos. O grupo também identificou que perdas de US$ 4,1 trilhões e US$ 5,7 trilhões durante a passagem do fenômeno em 1982–83 e 1997–98. Contudo, o efeito do longo prazo pode ser ainda mais devastador — e o Brasil não deve sair ileso. Economista e doutor em relações internacionais Igor Lucena afirma que o fenômeno deve afetar negativamente as cadeias produtivas, causando os chamados choques de oferta. O termo se refere a momentos que o fornecimento de produtos e serviços subitamente aumenta ou diminui. O economista afirma que isso também pode levar ao aumento de preços em mercados globais de commodities. “Isso termina impactando a inflação de regiões e quando taxa de juros podem aumentar ou abaixar. Na prática, os efeitos do El Niño estão limitados a US$ 3 ou US$ 4 trilhões, mas chega a pelo menos seis ou sete vezes mais se a gente pega os efeitos de longo prazo. É difícil dizer exatamente quais são as medidas que a gente deve tomar para evitar tudo isso”, avalia. Ou seja, deve ultrapassar US$ 18 trilhões e, no pior cenário, pode chegar a US$ 28 trilhões.
Meteorologista da consultoria Nottus, Desirée Brandt esclarece que o El Niño se trata do aquecimento na porção Equatorial do Oceano Pacífico. “Estamos falando do maior oceano da Terra. Se ele esquenta ou se ele esfria, isso acaba influenciando no comportamento da atmosfera e na temperatura global. Consequentemente, isso reverbera no comportamento da chuva e da temperatura na América do Sul. Normalmente, quando se tem o El Niño, a expectativa é de mais chuva para o Sul do Brasil e menos chuva para o Norte e Nordeste. Não é ausência, ela só não atinge a média histórica. Para o Sudeste e o Centro-Oeste, o que muda é a qualidade da chuva. Ela até ocorre em quantidade, mas ela é mal distribuída. Pode chover em um canto do bairro e não chover em outro. Podemos o volume esperado apara um mês inteiro caindo em três dias e passar o resto do mês sem chover. Esse tipo de chuva não é interessante, não é uma boa qualidade”, esclarece. Ela resume que a expectativa climática para o Sudeste e Centro-Oeste é de chuva irregular, mal distribuída e mais calor.
A especialista na análise de indicadores e produção de boletins meteorológicos observa que esse cenário deve trazer impactos para o setor agrícola. O desafio do agricultor no Sul do país estará relacionado às tempestades, que muitas vezes vêm associadas à queda de granizo. “Isso é uma lástima para o produtor rural. O granizo é capaz de acabar com a lavoura em poucas horas. Por outro lado, o mês de janeiro no sul do Brasil costuma ser desafiador com períodos de estiagem. Neste ano, com a ajuda do El Niño, diminui o risco de estiagem”, observa. Desirée também afirma que deve ocorrer um aumento das temperaturas do país, o que deve levar a um consumo maior de água e energia elétrica. Ela acredita que, se o setor de alimentos e bebidas se basear no verão passado, vai perder oportunidades porque certamente esse ano será mais quente. “Para esse próximo verão, a expectativa é de calor, do verão bem típico mesmo, o que vai exigir um estoque maior de alimentos e bebidas”, afirma.
Igor Lucena aponta que é importante levar em consideração que, desde os principais eventos do El Niño na década de 80, existem impactos cada vez mais radicais. Para ele, esta escalada do fenômeno indica que os efeitos das mudanças climáticas são reais, não meramente teóricos. Países como o Brasil, por exemplo, são afetados, mas menos do que outras regiões do mundo porque nossas temperaturas não têm tanta variação, segundo o especialista. “Nações como Vanuatu, Tuvalu, Indonésia, Singapura e até mesmo regiões como Hong Kong são extremamente afetadas. Vamos ter, de imediato, uma reconstrução de parte da economia global, isso torna tudo mais caro e mais complexo nessas economias primárias. Elas muitas vezes dependem muito de turismo ou de regiões específicas. E também causam efeitos no setor de seguros. Vimos diversos tufões e furacões no sul da Flórida que faliram 12 seguradoras no Estado. O mesmo vai ocorrer em outros locais. Para impedir eventos como o El Niño, é preciso de uma estratégia global no longo prazo. Um só país não resolve todos os problemas porque os efeitos são conjuntos. Vamos conviver com o El Niño durante muito tempo e vamos precisar de um plano para readequar as cadeias produtivas em um sistema menos poluente e capaz de reduzir os efeitos desse tipo de evento”, analisa.
JP NEWS.