Investigações conduzidas pela 9ª Delegacia de Polícia (Lago Norte) apontam que a empresa responsável por instalar câmeras clandestinas nas ruas do Distrito Federal recebeu de uma empresa de tecnologia um fundo de investimento de R$ 10,5 milhões para comprar os equipamentos. Os nomes dos envolvidos, no entanto, não foram divulgados pelos policiais.
Conforme a coluna noticiou, as equipes cumpriram, na manhã dessa quarta-feira (31/1), 10 mandados de busca e apreensão em diversas regiões do Distrito Federal, para desarticular uma rede privada de câmeras que monitorava ilegalmente os fluxos de veículos, por meio da captura de placas.
Como as ações não ocorriam com conhecimento ou consentimento das pessoas fiscalizadas, a prática violava a intimidade e a privacidade da população.
As câmeras instaladas tinham leitores de caracteres e programação de inteligência artificial, que permitiam o reconhecimento das placas veiculares. Elas conseguiam mapear e fazer fotos dos trajetos e da rotina das pessoas.
As imagens obtidas por meio desse monitoramento indiscriminado eram anunciadas em um site e em um perfil do Instagram, com preço de R$ 150 por consulta.
As propagandas dizem que o serviço seria para colaborar com a recuperação de veículos subtraídos. Porém, durante a investigação, os policiais compraram um desses acessos e conseguiram verificar a rotina do carro de um dos delegados da 9ª DP.
A equipe efetivou um cadastro em nome de “Papai Noel” e, depois de fazer o pagamento via Pix, receberam por e-mail um relatório com imagens de oito passagens do veículo por vias do Distrito Federal.
Veja imagens:
Durante a investigação, os policiais constataram que a efetivação de ao menos 2 mil pesquisas de carros no DF. “A facilidade e absoluto descontrole na venda dessas informações nesses websites permitem que qualquer um, inclusive os mal-intencionados, possam acessar esses dados e pesquisar as placas e trajetos dos veículos de qualquer pessoa”, comentou o delegado Erick Sallum.
A PCDF detalhou que os donos das câmeras nem sequer moram no Distrito Federal ou têm pessoa jurídica estabelecida na capital do país. Além disso, as atividades ocorriam sem conhecimento de qualquer órgão público. Como demonstrado pela investigação, a atividade viola a Lei Distrital nº 3.914/2006 e compromete a vida privadas da população, que passa a ter as rotinas escancaradas sem prévio consentimento e vendidas a qualquer um que pague pelo relatório.
Mercantilização da vida privada
A Lei Geral de Proteção de Dados (LGPD), sancionada em 2018, tem como fundamentos o respeito à privacidade e a inviolabilidade da intimidade. Assim, a prática criminosa também viola uma lei federal.
Para o delegado Erick Sallum, esse tipo de monitoramento indiscriminado por empresas privadas e sem supervisão do poder público pode, ainda, ser “deturpado e instrumentalizado para outras finalidades”.
“A instalação dessas câmeras de forma descontrolada, além de gerar insegurança às autoridades públicas, que podem ter as rotinas devassadas, representam uma violação da autodeterminação informativa, pois a população nem sequer sabe da existência delas”, destacou o investigador.
Erick Sallum acrescentou que a Polícia Judiciária entende a importância dos sistemas de videomonitoramento como ferramentas coadjuvantes na segurança pública. Contudo, desde que autorizadas e supervisionadas pelo poder público, como prevê a lei.
“A vida privada das pessoas não pode ser mercantilizada sem justa-causa na internet sem a ciência ou o consentimento da população”, completou.
Os investigados responderão pelos crimes de exercício ilegal de atividade, divulgação de segredo e falsidade ideológica.