O estádio Bezerrão, no Gama, acompanhava um domingo ensolarado de futebol em dezembro de 2008. A capital federal recebia o principal jogo da última rodada do campeonato brasileiro daquele ano, e o São Paulo precisava de um simples empate contra o Goiás para se consagrar vencedor do torneio.
O paulista Nilton César de Jesus, de 26 anos, era fanático pelo clube do seu estado, chegando a atuar como presidente de honra da torcida organizada Dragões da Real. O jovem aguardava para assistir a partida, mas, após confusões nas imediações do local, um tiro acertou sua cabeça e acabou com as comemorações naquele dia.
O disparo saiu da arma do policial militar José Luiz Carvalho Barreto. Na época, o 3º sargento estava escalado para patrulhar a região próxima ao estádio. Com o propósito de efetuar a prisão de um dos torcedores, o PM passou a seguir Nilton com a arma em punho, determinando que parasse.
Ao se aproximar do rapaz, desferiu-lhe uma coronhada com a arma de fogo, que disparou, atingindo a cabeça do paulista, que morreu quatro dias depois. O mesmo projétil ricocheteou e feriu no quadril uma adolescente que estava nas proximidades. As cenas foram capturadas com exclusividade pela TV Record Brasília.
Veja:
Barreto ficou detido por menos de 24 horas. Além disso, um ano após o homicídio, a Auditoria Militar do DF proferiu sentença contra o policial militar pelos crimes de homicídio culposo, lesão culposa e concurso de crimes.
Ele foi condenado a dois anos e dois meses de detenção, sendo que a decisão da época indicou que a pena deveria ser cumprida em regime aberto. Consta que a condenação foi confirmada em grau de recurso e a sentença condenatória transitou em julgado em setembro de 2012.
O militar, no entanto, não foi expulso da corporação e seguiu vestindo as fardas da PMDF até 2017, quando passou para a reserva remunerada. Ele continua recebendo as remunerações normalmente e chegou a embolsar verbas indenizatórias. Desde o homicídio, Barreto recebeu duas promoções e finalizou sua carreira como 1º sargento.
Atuação “desastrada” e “absurda”
A família do torcedor lutou nos tribunais por Justiça. O juiz da 6ª Vara da Fazenda Pública do DF condenou, em novembro de 2012, o Distrito Federal a pagar indenização por danos morais e materiais à mãe do são-paulino. Além de ter de pagar pensão de um salário mínimo, o DF também foi condenado a indenizá-la em R$ 150 mil por danos morais.
No mérito, o juiz considerou a atuação como “desastrada, equivocada, despreparada e absurda”. O magistrado também afastou a hipótese de que a vítima foi a exclusiva responsável pelo evento. A sentença foi mantida posteriormente em ação que tramitou na 1ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT).
“Aqui não se julga a conveniência da existência e manutenção de torcidas organizadas. De fato, há inúmeros casos de violência por elas estimulados e praticados, manchando a história do esporte mais popular do país. Isto em absolutamente nada justifica o fato de uma autoridade policial militar, agente público que deveria ser preparado pelo Estado para enfrentar e conter a violência, acabar praticando violação maior do que a combatida”, alegou o juiz na época.
Defesa e manifestações
O Metrópoles tenta entrar em contato com José Luiz Carvalho Barreto, mas não obteve sucesso. O espaço segue aberto para manifestações.
Em seu interrogatório, durante o julgamento de 2012, o policial argumentou que por não ter sido obedecida pelo torcedor do São Paulo uma ordem que lhe dera para que se deitasse, “desceu com sua arma nas costas dele”, mas que seu dedo não estava no gatilho nesse momento. Ressaltou que pretendia obrigar o rapaz a deitar-se para algemá-lo e retirá-lo do local e que não teve a intenção de disparar a arma de fogo.
A reportagem também questionou a Polícia Militar do Distrito Federal sobre a decisão de manter o sargento no quadro mesmo após a condenação por homicídio. “No dia 7 de dezembro de 2008, o policial militar foi preso em flagrante pela Corregedoria da PMDF e conduzido ao presídio militar. No dia seguinte, após decisão do TJDFT, o policial foi colocado em liberdade”, ressaltou.
O órgão indicou que a sentença não estipulou a pena acessória de exclusão da Polícia Militar: “No âmbito disciplinar-militar, no Conselho de Disciplina da Corregedoria da PMDF, o policial foi condenado, mas considerado apto a permanecer nas fileiras da Corporação”.