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Deltan sugeriu usar ONG para evitar que TCU fiscalizasse multas

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Deltan Dallagnol demonstrou preocupação sobre a destinação de multas de leniência aplicadas à companhia J&F, em 2019. Em trocas de mensagens obtidas por meio de hacker – que resultou na Operação Spoofing –, o ex-procurador se dirige a um outro membro do Ministério Público Federal (MPF) dizendo que se os recursos das penalidades fossem destinados à Petrobras, seria um problema, uma vez que passariam a ser fiscalizados pelo Tribunal de Contas da União (TCU), o que, na avaliação dele, “não dava para ser”.

Em 5 de junho de 2017, procuradores do MPF e representantes da J&F assinaram acordo de leniência no valor de R$ 10,3 bilhões. A holding se comprometeu a pagar R$ 8 bilhões às entidades individualmente lesadas e R$ 2,3 bilhões reservados à execução de projetos sociais, em 25 anos.

“Para nós, não dava para ser a Petrobras a instituidora porque o TCU se arvoraria o direito de fiscalizar ou entrar nesse assunto”, disse Deltan.

Um outro promotor, então, responde: “Eu entendo… o tema é complexo mesmo. Acho que temos que avançar com a conversa sobre esse tema com o TCU, para evitar ruídos. Já até conversei com eles antes sobre essa questão da reparação social. O dialogo evoluiu”.

À época da troca de mensagens, os ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) foram críticos às iniciativas do Ministério Público Federal de indicar o destino do dinheiro recuperado com multas dos acordos de leniência. Para os integrantes da Corte, a atribuição seria da União e não da Justiça.


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Em meio às divergências entre MPF e STF sobre a destinação dos valores das multas, Dallagnol e um outro procurador queriam usar a ONG Transparência Internacional para conseguir marcar reunião com ministros “de boa fé” e discutir o conceito e reparação de dano social.

“Acho melhor tentar, via TI (Transparência Internacional), audiência com os próprios ministros (pelo menos com alguns que presumimos ter boa fé)”, disse o segundo procurador.

Deltan agradece e diz que ligaria nos gabinetes dos magistrados para falar com os assessores “só para prevenir”.

O que diz Deltan

Em nota enviada ao Metrópoles, Deltan disse que a conversa foi retirada de contexto. Leia a resposta, na íntegra:

Foi enviado um texto referente a suposta mensagem que é de uma frase. Não se sabe com quem se tratava, data, o que estava sendo discutido, contexto e quais as alternativas sendo consideradas. É impossível entender o que significaria, se verdadeira, sem o contexto apropriado. Prova disso é que a interpretação feita soa absurda, já que o procurador não atuava no caso J&F. Em relação ao TCU, a FTLJ trabalhou com intensa coordenação com a área técnica do TCU nas investigações e processos para responsabilizar corruptos na Lava Jato.”

Lava Jato planejava “destruir” J&F em acordo de leniência

As mensagens revelam que, em 18 de maio, integrantes da Lava Jato falavam sobre a multa da leniência que era, àquela altura, discutida pelo MPF e a J&F pela força-tarefa de Brasília. Eles preocupavam-se que o valor fosse menor aqui que o acordo que a empresa fecharia nos Estados Unidos.

“Acho que saiu barato o acordo de colaboração (imunidade total para todo mundo e 200 mi de multa) e eles criaram expectativa baixa da leniência. Mas agora eles estão desesperados… se não fecharem o acordo, acho que quebram… o tempo está contra eles”, disse o procurador Andrey Borges de Mendonça, às 22h06. Lotado em SP, ele foi um dos 11 procuradores da República que assinaram pelo MPF a leniência com a J&F.

Em seguida, Deltan enviou no grupo: “Concordo que a leniência tem que ser alta. Mas não dá pra fechar valores antes dos EUA. Sob pena de passar vergonha histórica. Porque fecha aqui por 6 e depois os EUA fecham em 60 e ficamos com cara de trouxa”.

O então coordenador da Lava Jato comunicou ao grupo que o coordenador da Greenfield, em Brasília, procurador Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, iria ligar para ele no dia seguinte. “Roubada. Porque porrete americano é bem maior. Com maior laverage na negociação, conseguem multa maior. Anselmo vai me ligar para conversar amanhã”, enviou aos colegas, às 22h29 de 18 de maio de 2017.

Paralelamente à conversa no grupo da Lava Jato, Deltan falava com Anselmo também sobre a leniência. Às 22h32 de 18 de maio, Deltan enviou a Anselmo a mensagem que havia escrito no grupo da Lava Jato minutos antes: “Fechar valor antes dos EUA pode ser um grande erro estratégico. EUA fazem super conta e tem longa experiência. O risco é fazermos por 6 e depois vem EUA e fazem por 60 e ficamos de amadores na foto”.

Deltan queria dar pitacos na leniência: “Em razão da nossa atuação em vários outros acordos, talvez possamos trocar algumas ideias, especialmente porque parece que há fatos da Petrobras também. Mas não queremos de modo algum atrapalhar as tratativas de vcs”.

Conforme revelou a coluna de Bela Megale, do O Globo, a preocupação de Deltan acabou sendo incluída na cláusula da leniência que proíbe a J&F ou empresas controladas pela holding de fechar outros acordos fora do país com multas ou ressarcimentos em valores superiores aos R$ 10,3 bilhões.

Três dias depois, ainda preocupado com a repercussão da “impunidade referente ao acordo de colaboração da PGR [com os irmãos Batista]”, Deltan pediu a Anselmo sugestão para abordar o tema durante o lançamento de livro em São Paulo. Veja a mensagem:

21 de maio de 2017, às 17:40:49: Anselmo, desculpa incomodar. Vou lançar o livro em SP e quero estar preparado para defender as posições do MPF e o assunto do momento é a ‘impunidade’ ref. ao acordo de colaboração da PGR. Vou deixar claro que não sou o promotor natural e ter cuidado para falar do trabalho alheio, buscando agregar, se tiver que entrar nessa seara com o objetivo de defender o instituto da colaboração premiada. Creio que tecnicamente o acordo é justificável, mas há uma dificuldade de comunicação social. Havia alguma denúncia contra os irmãos Batista? Havia um cerco probatório? Tínhamos coisas graves contra eles, ou eles se adiantaram acreditando que possivelmente chegaríamos lá? Qual é a abordagem que vc sugere?

Anselmo respondeu ao então coordenador da Lava Jato que os empresários donos da J&F “estavam acuados”. “A holding era alvo de 3 operações de nossa FT [Greenfield] e outras 3 de colegas. Estavam acuados. De toda forma, o critério utilizado pela PGR foi o da qualidade das provas que eles já produziram”, respondeu o procurador da Greenfield. Em seguida, Deltan questionou se havia denúncia formalizada e Anselmo afirmou que “não tinha ainda”.

O acordo de leniência da J&F com os EUA, fechado em 2020, prevê multa de US$ 128 milhões (R$ 653 milhões, em valores atualizados).

Já no Brasil, em dezembro de 2023, o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Dias Toffoli suspendeu a multa. Até então, a J&F pagou R$ 2,9 bilhões.

Defesa

À coluna Grande Angular, do Metrópoles, o ex-coordenador da Força-Tarefa Greenfield, Anselmo Henrique Cordeiro Lopes, disse à coluna que a preocupação dos procuradores responsáveis pelo acordo de leniência da J&F “era, mais que a punição dos crimes, a recuperação dos valores para lidar com o problema dos fundos de pensão que teria impacto social”. “Os contribuintes iriam pagar contribuições extraordinárias por conta do rombo causado pela J&F”, enfatizou.

“Consideramos a capacidade de pagamento da holding. Se fosse para ‘destruir a empresa’, iríamos prejudicar a principal estratégia do acordo homologado pela 5ª Câmara de Coordenação e Revisão, que era recuperar os valores dos fundos de pensão”, afirmou. Anselmo disse que não havia nenhum trabalho em conjunto com os procuradores do MPF em Curitiba.

Em 19 de setembro de 2023, Anselmo assinou um ofício de esclarecimento público no qual afirmava que a multa prevista no acordo de leniência da J&F “é híbrida e contém partes de multa punitiva, ressarcimento de danos materiais, reparação de danos morais e reparação de danos sociais”.

“Desde logo, esclareça-se que o intuito dos membros ministeriais que negociaram o acordo de leniência foi garantir com que a multa prevista nesse acordo fosse arcada exclusivamente pela controladora das empresas do grupo econômico, ou seja, pela holding J&F Investimentos S.A. Dessa forma, ficam protegidos os acionistas minoritários, como, por exemplo, a Caixa Econômica Federal e o BNDESPar”, escreveu o procurador no ofício.

O procurador aposentado e agora advogado Carlos Fernando dos Santos Lima disse que não reconhece nenhuma mensagem. “A Lava jato não participou dessa operação de maneira alguma”, enfatizou.

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