Os contracheques de 86 funcionários de empresas estatais do Distrito Federal superaram o teto do serviço público brasiliense. Neste ano, o limite fixado é de R$ 35.462,22, equivalente ao salário de desembargador do Tribunal de Justiça do DF e dos Territórios (TJDFT).
No entanto, segundo o Portal da Transparência do DF e o Banco de Brasília (BRB), os pagamentos dos trabalhadores ultrapassaram a fronteira remuneratória nos lançamentos divulgados referentes aos meses de abril, maio e junho.
O debate sobre os proventos pagos pelas estatais voltou aos holofotes nessa quinta-feira (18/07/2019), quando a Controladoria-Geral do DF (CGDF) anunciou um pente-fino nas folhas. Motivado por fortes indícios de irregularidades, o órgão passou a analisar com lupa os vencimentos na Companhia Urbanizadora da Nova Capital do Brasil (Novacap). Na sequência, o corpo técnico pretende fazer uma devassa nos salários do BRB, Agência de Desenvolvimento do DF (Terracap) e outras empresas públicas.
Conforme consta no Portal da Transparência, em maio, o maior contracheque foi de um empregado da Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do DF (Emater-DF). O trabalhador tem remuneração básica de R$ 25 mil, mas recebeu R$ 30 mil de licença-prêmio e R$ 69 mil de verbas eventuais — que podem ser decorrentes de questões judiciais ou de pagamentos de exercícios anteriores. Após os descontos obrigatórios, ele embolsou R$ 113.316,46.
No mesmo mês, um engenheiro da Novacap abocanhou R$ 70.313,98. A remuneração básica desse profissional é de R$ 46.719,62, mas o contracheque foi vitaminado com R$ 34 mil de verbas eventuais. Entre os quadros da subsidiária de Distribuição da Companhia Energética de Brasília (CEB), um outro engenheiro com remuneração base de R$ 13,6 mil viu o salário inflar para R$ 64.462,40.
Contracheques altos também foram identificados em maio na Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) e na Companhia de Planejamento do DF (Codeplan). Em abril, último mês publicado até a semana passada, a Companhia do Metropolitano (Metrô) e a Sociedade de Transportes Coletivos de Brasília (TCB) também teriam pago remunerações superiores ao teto.
Irregularidades
Atualmente, o GDF tenta aplicar o abate-teto nas estatais por meio do Decreto nº 39.670, de 15 de fevereiro de 2019, assinado pelo governador Ibaneis Rocha. No entanto, empregados questionam judicialmente o limitador. A gestão passada do ex-chefe do Executivo local Rodrigo Rollemberg (PSB) tentou fechar a brecha com um projeto de lei enviado para a Câmara Legislativa em maio de 2017. Mas, após uma batalha na Justiça, a proposta foi rejeitada pelo ministro Celso de Mello, no Supremo Tribunal Federal (STF). O processo foi transitado e julgado.
De acordo com o controlador-geral do DF, Aldemario Araújo Castro, existem suspeitas de irregularidades em aproximadamente 30 contracheques da Novacap. Os casos serão investigados em processos administrativos disciplinares (PDAs). Pelo cronograma da CGDF, a auditoria será concluída até o fim de setembro e, a partir dela, novas estatais serão investigadas. “Terracap e BRB são dois candidatos fortes. A gente já tem alguns elementos em relação a estas empresas. Em outras, precisamos avaliar”, antecipou.
A gestão pública do DF não vai continuar sendo feita como foi até hoje. Há um nível de desorganização, de bagunça, de conivência com certos tipos de irregularidades que não pode existir. ALDEMARIO ARAÚJO CASTRO, CONTROLADOR-GERAL DO DF
Os supersalários também incomodam o controlador-geral. “Remuneração acima do abate-teto não tem sentido, salvo situações muito específicas em que se entende que aquele excesso não estaria dentro do teto. A regra é o teto”, pontuou. Neste contexto, Aldemario destacou que parte dos pagamentos inchados decorre de decisões da Justiça. “O que a gente pode fazer é analisar se foram tomadas as medidas judiciais que permitiriam a volta do teto”, completou.
Direito adquirido
Segundo André Luiz Conceição, presidente do Sindicato dos Servidores e Empregados da Administração Direta (Sindser), os supercontracheques representam um parcela ínfima do quadro de funcionários das estatais. Na média, os trabalhadores de empresas como a Novacap recebem entre R$ 4 mil a R$ 5 mil mensais. De acordo com o sindicalista, na maioria dos casos os vencimentos além do teto são consequência de direitos adquiridos, decisões judiciais, funções incorporadas e tempo de serviço.
O sindicato defende que sejam averiguadas irregularidades. Quando a empresa paga indevidamente um empregado, prejudica outro. Mas, com relação ao teto, o trabalhador quando faz jus ao direito, não pode ter redução do que conseguiu ao longo dos anos. Essa remuneração não foi um passe de mágica. ANDRÉ LUIZ CONCEIÇÃO, PRESIDENTE DO SINDSER
De acordo como o Sindicato dos Trabalhadores em Empresas de Transportes Metroviários do DF (Sindmetrô-DF), os supersalários ofertados pela estatal caem nos bolsos da diretoria. A entidade argumenta que somente os 54 personagens em posição de chefia são pagos com vencimentos acima do patamar dos R$ 20 mil mensais e geralmente conseguem ultrapassar o limite quando gozam de direitos passíveis de serem convertidos em dinheiro.
Abate-teto parcial
GDF afirmou que o abate-teto atualmente só não é aplicado no BRB, Terracap, TCB e Caesb por força de determinações judiciais. Nas demais estatais, o limitador encontra-se vigente. No caso da Companhia de Saneamento Ambiental do DF, os gordos proventos eram pagos em função de uma decisão do desembargador Grijalbo Fernandes Coutinho, do Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 10ª Região. A determinação foi julgada no mérito e a liminar caiu.
No caso do BRB, o teto é aplicado aos ocupantes de cargos comissionados e estatutários não efetivos. O limitador não atinge os empregados do banco, em função de impedimento imposto pelo Poder Judiciário, através de sentença da 18ª Vara do Trabalho de Brasília, emitida em 29 de setembro de 2018.